Por que os brasileiros estão entre os executivos mais insatisfeitos?
Ricardo Basaglia, Managing Director Brasil, para Money Report
A confusão estaria entre propósito e ausência de pressões. Muitos acreditam que trabalho com sentido deveria ser fácil, fluido e livre de conflitos. Mas fazer o que dá satisfação não elimina as dificuldades, apenas ajuda a sustentar seus pesos.

Nossa pesquisa global com 4,5 mil executivos revelou que a América Latina é a região mais insatisfeita do mundo corporativo. E o Brasil está entre os países onde esse desconforto se manifesta com mais força. O estudo traz uma análise abrangente sobre remuneração, com insights que vão além do salário. Vale conferir os números.

Porém, o que mais me instiga está além dos dados crus. A pergunta oculta é: Por qual razão a insatisfação persiste mesmo em empresas bem-estruturadas, com salários competitivos e benefícios generosos? Talvez por estarmos tentando resolver o problema errado. E assim nunca aprenderemos, de fato, a difícil arte de ser feliz no trabalho.

O filósofo Luc Ferry nos provoca com uma reflexão poderosa sobre a assimetria entre felicidade e infelicidade. Ele argumenta que, enquanto conseguimos identificar com precisão cirúrgica aquilo que nos causa sofrimento – a perda de alguém querido, o fracasso em um projeto importante, a rejeição social – somos incapazes de definir com a mesma clareza o que nos faz genuinamente felizes de forma duradoura. É fácil identificar o que dá prazer, mas o que faz essa sensação durar? Aí a resposta some. Essa desconformidade indica que talvez o problema não seja a busca pela felicidade em si, mas a confusão entre o que nos diverte e o que realmente nos sustenta.

Parte dessa confusão vem da forma como fomos educados. Durante séculos, aprendemos que a felicidade deveria ser adiada. As grandes religiões e sistemas morais construíram narrativas em torno da postergação do prazer: o cristianismo prometia a felicidade no Paraíso; o confucionismo, após o cumprimento do dever; o capitalismo industrial, na aposentadoria.

Até os contos infantis reforçavam essa lógica. Na fábula dos Três Porquinhos, o trabalhador incansável é quem vence o lobo, enquanto os irmãos que brincavam e cantavam são punidos. A moral sempre foi clara: felicidade imediata é irresponsabilidade e a verdadeira recompensa vem para quem adia o prazer. E, por décadas, o mundo corporativo funcionou exatamente na base do trabalhe duro agora e seja feliz quando puder parar.

Parte das gerações mais recentes questiona esse pacto de forma explícita. Cresceram vendo pais esgotados que adiaram a felicidade para uma aposentadoria que nunca chegou. Ou quando, veio tarde demais. Não é que rejeitem o esforço. Eles recusam a promessa vazia de que “um dia” tudo valerá a pena.

Mas aqui mora uma tensão importante e que não é exclusiva dos jovens. A confusão entre propósito e ausência de dificuldades. Muitos e de todas as gerações acreditam que trabalho com sentido deveria ser fácil, fluido, livre de conflito. Mas propósito não elimina os percalços, apenas ajuda a sustentar seus pesos. A diferença é sutil, mas crucial, não é sobre evitar os obstáculos, mas escolher quais enfrentar pelas razões que fazem sentido para cada um.

No fim, a maturidade não está em escolher como viver. Casamento é difícil. Divórcio é difícil. Escolha qual prefere. Obesidade é difícil. Ficar em forma também. Escolha. Ter dívidas é difícil. Ser financeiramente disciplinado, idem. Tudo são escolhas.

A vida nunca será moleza. O mesmo vale para o trabalho. Ficar na empresa é árduo, sair, a mesma coisa. Qual versão de si cada um se tornará a partir de cada decisão?

Escolher, porém, exige tempo, algo que não queremos dispor. Recusamos o pacto das gerações anteriores, aquelas que adiaram a felicidade para a aposentadoria. Com isso, criamos nosso próprio revés ao exigirmos satisfação constante e imediata só para descobrimos que a coisa também não funciona.

Não por estarmos buscando no momento errado. Se trata mais do lugar. A cada promoção, bônus ou conquista, experimentamos um pico de euforia seguido de uma ressaca silenciosa. É o que os psicólogos chamam de efeito honeymoon/hangover. A lua de mel com o novo cargo vem sempre seguida de uma volta à normalidade. A neurociência encontra uma explicação no conceito de padrão adaptativo hedônico para nossa capacidade de nos acostumarmos rapidamente ao prazer. A promoção cai na rotina, o aumento vira base, o reconhecimento perde brilho e, de novo, sentimos falta de algo.

Talvez parte da questão esteja em depositar todas as expectativas de realização no trabalho. Esperamos que a carreira nos complete, nos defina, nos realize em todas as dimensões. É uma armadilha. Nenhum emprego, por mais significativo que seja, consegue preencher todos os espaços.

Executivos que cultivam hobbies, que dão aulas, que têm projetos paralelos, que investem em relações fora do ambiente corporativo, tendem a carregar menos peso nas costas. Não por trabalharem menos ou serem menos comprometidos, mas por não colocarem todos os ovos no mesmo cesto existencial. Eles entenderam que a vida precisa ser sustentada por mais de um pilar.

Além disso, há outra distorção que alimenta a insatisfação. Olhamos apenas para o que falta e esquecemos de valorizar o que temos. Vejo executivos mudando de empresa não para melhorar, mas por inquietação crônica. Às vezes, não é sequer seis por meia dúzia. A troca do seis pelo cinco é comum. A ilusão de que a próxima oportunidade resolverá tudo nos cega para o que já está funcionando.

Do lado das empresas, a tentação é responder com mais benefícios, em uma corrida armamentista pelo bem-estar que raramente funciona. A resposta, porém, é tão mais difícil quanto mais barata. Criar ambientes onde o trabalho faça sentido exige clareza brutal sobre missão, autonomia real de execução e construção deliberada de vínculos de confiança.

A insatisfação não é defeito, mas bússola. O que nos move também nos faz questionar e crescer. O problema é quando viramos dependentes da novidade, confundindo evolução com fuga. Talvez esse seja o verdadeiro desafio de nossa época: saber que não dá para ser feliz o tempo todo, mas que podemos permanecer inteiros, enquanto tudo muda.

Felicidade não é meta, mas prática. E começa quando paramos de buscar um trabalho que nos complete e começamos a construir uma vida com múltiplos pilares, baseada em carreira, vínculos e propósitos que vão além do cargo.

É quando entendemos que a promoção vai virar rotina e escolhemos persegui-la por razões que fazem mais sentido. Assim, conseguimos distinguir entre a inquietação que motiva e a que corrói. O resultado é fazermos as pazes com o fato de que escolher uma dificuldade não elimina o sofrimento, apenas o torna suportável. No fim, não se trata de estar sempre satisfeito, mas saber por quais motivos ficamos ou partimos. E estar em paz.

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